SOBRE DEATH NOTE SHORT STORIES

Depois de anos, voltei! Foram tempos turbulentos com pandemia, mestrado (que tá na reta final mas ainda não acabou), três mudanças de casa, mudança de cidade, entre outras coisas. Mas aqui estamos!

Rogério Porto Ribeiro
8 min readMay 29, 2023
Death Note — Short Stories. Publicado pela JBC em 2023

Depois desse tempo todo enfim consegui voltar pra cá, dessa vez pra publicar uma pequena resenha sobre esse mangá da JBC, um texto que possivelmente será um roteirinho pra volta também do meu podcast, se não ouviu, ouve lá o Me Deixa Falar! :)

Bom, mas o que é o Death Note — Short Stories? Segue a sinopse do site da JBC:

A história de Kira realmente acabou ou sua influência permanece?

Nesta coleção completa de contos de Death Note escritos pelos criadores da série, descubra contos de vidas irrevogavelmente alteradas pela influência sinistra do Death Note, com respostas surpreendentes e emocionantes para a questão do que realmente é necessário para usar o Death Note. ..ou combatê-lo.

Bom, o volume é composto por cinco one shots e um compilado de tirinhas yonkoma. Acho que o que rende um pouco mais são os dois primeiros contos, intitulados A História de c-Kira e A História de a-Kira, as demais histórias são interessantes e/ou engraçadinhas mas não me despertaram nenhum tema que rendesse discussão. Enfim, vamos lá.

CONTÉM SPOILERS!

A HISTÓRIA DE C KIRA

ATENÇÃO — ALERTA DE GATILHO PARA SUICÍDIO

A história se passa nove anos após a morte de L e três anos após a morte de Kira.

Um shinigami, após subornar o rei dos shinigamis com maçãs, consegue um novo death note e entrega para um humano. Esse humano passa a matar idosos em situação terminal e/ou de extrema pobreza.

Isso claramente chama a atenção do público, bem como da polícia e de Near. A polícia fica meio que não sabe o que vai fazer e fica esperando um movimento por parte de Near. Near não tem interesse no caso, mas reconhece que é necessário fazer alguma coisa.

Após um debate na Sakura TV, as pessoas no programa saem do controle e passam a pedir pela morte para esse novo Kira, ao que ele atende e começa a matar as pessoas ali presentes.

Ao ver como as coisas escalonaram, Near toma como estratégia abrir o jogo, se apresentar ao Japão como L e dizer que não vai fazer nada em relação ao caso, pois não se interessou por ele. No entanto, diz que a polícia é quem deveria fazer algo e expressa sua opinião ao chamar o novo Kira de assassino.

Em resposta, a polícia enfim entende que não tem que ficar na dependência de L para sempre, ainda mais por já conhecerem o método de assassinato utilizado. Enquanto c-Kira apenas fica catatônico por três dias antes de dar um gripo e escrever o próprio nome no death note.

Ryuk é presenteado pelo outro shinigami com o caderno que sobrou, enquanto reflete como Kira já havia lhe afirmado que era preciso um coração forte para usar o death note, concluindo que c-Kira devia ser fraco.

A história é bem curtinha e, a princípio, fiquei um pouco perdido sobre o que os autores queriam dizer com ela. Mas acho que eles não queriam dizer nada demais a respeito do c-Kira, mas, no que diz respeito a lore da obra, eles queriam trazer um pouco do estado mental atual de Near, ainda desconfortável na posição de L, em conflito entre as atitudes que ele tomaria e o que L Lawliet faria. Além disso, nos mostra como foi o momento em que L percebeu o potencial de Near e Mello, em meio as crianças da Whammy’s House.

Do ponto de vista temático, o que os autores trazem aqui é uma tentativa de chamar a atenção para uma questão social importante do Japão, o envelhecimento da população e a falta de condições de estabelecer condições minimamente digna para essa população, que na vida real sofre e realmente pede para morrer, por vezes chegando a tirar a própria vida.

O autor mostra como Kira e c-Kira atuaram, o primeiro no âmbito da violência urbana e o segundo na questão do envelhecimento populacional, para forçosamente e artificialmente “melhorarem” essas questões, mesmo certamente (textualmente apontado pelo autor) estando errados e sendo criminosos no processo. Contudo fica nisso, Ohba aponta o problema, aponta as contradições nas soluções apontadas pelos Kiras, mas sem desenvolver uma tese para fechar seu ponto de vista a respeito do debate.

Na minha humilde opinião, temos aí uma pessoa que enxerga o problema, mas tem medo de apontar a raiz do problema, que é o processo constante e agressivo de neoliberalização do Japão.

A HISTÓRIA DE A KIRA

Podemos considerar essa como a história principal do compilado. O protagonista, Minoru, está na capa do volume, no material de divulgação e me lembro que na época em que esse one shot foi publicado no Japão, a internet ficou em polvo rosa.

Aqui, no começo da história, que está ligada diretamente com a anterior, fiquei pensando nas motivações de Ryuk e dos shinigamis como um todo. Sempre me chamou a atenção o fato destas entidades virtualmente imortais causarem tanta mudança em nosso mundo por motivos supérfluos como tédio e/ou vício em maçãs, enquanto aqueles que realmente se importavam com os humanos e usaram o caderno para protegê-los, morreram.

Faz sentido que exista esse limite para um shinigami, mas meio que me incomoda não haver outros limites. O shinigami pode se importar com um humano, só não pode usar o caderno para protegê-lo, pode dar um caderno para um humano, pode fazer acordos, cooperar e ter ações que, indiretamente, causam catástrofes e morticínio, desde que não quebre a tal regra (não escrita) de usar o caderno para proteger alguém.

Além disso, quem é o rei dos shinigamis? Como ele é capaz de criar e alterar as regras do death note e ela automaticamente passar a valer? Não sabemos se é ele quem cria os cadernos, mas sabemos que é ele quem faz a distribuição, e que ele é passível de se corromper por algumas maçãs e não sofrer algum tipo de consequência por parte de alguma entidade maior.

Esses personagens, mesmo sendo artifícios de roteiro em essência, apresentam profundidade o suficiente para instigar tais perguntas e me fazer gastar algum tempo pensando neles e em sua sociedade.

Um ponto interessante nesta história é o apontamento de que testes de Q.I. na verdade não significam muita coisa. O mangá usa disso de forma cômica para levar Ryuk até o protagonista, mas dá uma cutucada legal ao apontar como algumas instituições e a sociedade de forma geral estabelece essa medida como algo objetivamente capaz de determinar a inteligência de um indivíduo de forma ampla e metafísica. Um entendimento que no nosso mundo leva pessoas terríveis e não tão inteligentes quanto pensam a lugares de destaque e proeminência.

Por outro lado, uma questão que me incomoda em Death Note de forma geral, mas que tem uma deixa para ser discutido nesse one shot ao tratar da figura história de Kira nas escolas japonesas é a dificuldade de Ohba em lidar com a figura de Kira. O autor é inconsistente em colocar Kira como uma figura ruim. Mesmo que em primeiro plano ele sempre deixe isso claro e evidente no discurso dos personagens, a questão de equilibrar uma crítica ao Kira com o fato de que ele acabou com as guerras e diminuiu a violência no mundo é algo que me parece vir de uma admiração (não tão secreta) do autor pelo personagem. Ohba simplesmente não consegue criticar Kira sem fazer um elogio antes ou depois ao mesmo. Da mesma forma que não é possível colocar L como minimamente heroico ao arriscar a vida contra Kira sem apontar que na verdade ele fez isso tão somente por uma competitividade doentia.

Sendo justo, eu não tenho certeza se isso é porque Ohba tem certa admiração por Kira, ou se é por sentir uma necessidade de afirmar que tanto ele quanto L são figuras contraditória sempre que tais personagens são mencionados. Me parece que o autor simplesmente não confia na capacidade do leitor de entender e internalizar que se trata de figuras controversas, algo que mesmo me incomodando ao ponto de quase me ofender, infelizmente me parece justificado ao observar que ainda existe gente que defende Kira como herói nas conversas sobre Death Note mundo afora. Então acabo engolindo meu incômodo e aceitando que Ohba escreve levando em consideração que ele tem uma quantidade considerável de leitores burros.

Passando para outro ponto, que me parece ser um tema geral até aqui, é a ansiedade tecnológica do autor, Minoru aponta como de 2007 para cá a tecnologia evoluiu e o nível de vigilância institucional aumentou, tornando a aplicação das mesmas estratégias de Kira um tanto impossíveis (ao mesmo tempo que, ao fazer um metacomentário, aponta que se esquecer desses fatores seria uma conveniência de roteiro). Ao longo dessa história como um todo, vemos Minoru se aproveitar e usar o death note para conseguir dinheiro usando da dinâmica da internet e de redes sociais, que culminam com o Donald Trump comprando o caderno ao fim de uma disputa com a China por ele.

Após a venda e todo o esquema para o pagamento, que é bem interessante, não sei bem como me sinto ao ver Minoru morrer por uma tecnicalidade. Ao mesmo tempo que foi injusto, por ter sido vítima de uma regra inventada em cima da hora e que não foi informado para ele, acho que cabe bem a mensagem de que não importa o quão inteligente e “inofensivo” você seja, quem mexer com o death note, mexe com forças além de seu controle e compreensão, e inevitavelmente vai perder a vida.

Mas para além disso tudo, por que cargas d’água o Ryuk depende de alguém dar maçãs para ele se ele não é intangível e pode simplesmente ir ao mundo humano e pegar a porcaria das maçãs!?

Enfim, depois de tanto tempo eu estou um tanto enferrujado e não sei bem como concluir esse texto, mas acho que de forma geral fica a recomendação de leitura, não é um mangá particularmente caro e vale a pena pra quem já gostava da franquia antes.

Foi interessante voltar para Death Note depois de, sei lá, quinze anos, com outra cabeça, com mais de trinta anos nas costas. Dá pra dizer que eu entendo e ainda acho compreensivo/merecido Death Note ter ocupado um lugar na cultura pop mundial, mas (ainda mais depois de Platinum End) hoje eu vejo Tsugumi Ohba com um olhar menos desmistificado, é um autor interessante, mas que claramente tem um limite e que me incomoda DEMAIS ao evitar o máximo que pode incluir personagens não masculinos na obra e que chega a ser ofensivo quando ele resolve colocar. Sério, Amane Misa aparece somente nos yonkoma e é objetificada CEM POR CENTO do tempo que ela aparece. Lendo Bakuman, que eu amo, e Platinum End, que eu odeio, fica ainda mais claro como Ohba parece que nunca viu uma mulher de verdade na frente dele, muito menos conversou com uma. Mas enfim, é isso!

Um abraço e até a próxima!

FICHA TÉCNICA DE DEATH NOTE — SHORT STORIES

Dados do volume

Edição impressa

  • Formato: 13,5 x 20,5 cm
  • Preço: R$ 34,90
  • ISBN: 9786555943788

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Rogério Porto Ribeiro

Meio azedo, meio doce, meio salgado e meio amargo…depende muito do dia.